sexta-feira, 9 de março de 2018

Faixa Azul do Pina é o bode expiatório perfeito.

É tanta desinformação que não dá pra gente ficar calado. Toda semana desde o início da Faixa Azul (faixa exclusiva de ônibus) do PINA, em fevereiro, os jornais de grande circulação publicam pelo menos duas notícias sobre o engarrafamento na Avenida Antonio de Góes. O trecho parece pequeno, insignificante, mas a Av. Antonio de Góes é o principal ponto de ligação da Zona Sul com o centro da cidade e com a Agamenon Magalhães. A Prefeitura, diga-se de passagem, está até o momento resistindo bravamente, fazendo o seu papel de suportar a pressão da mídia, da população motorizada (minoria na cidade) e pasmem! de uns tempos pra cá até da Câmara de Vereadores (com raras exceções). Não dá pra passar a mão na cabeça do prefeito por sua resistência, afinal, apesar de um discurso lindamente ensaiado com o Secretário de Mobilidade e a Presidente da CTTU, de que a Via Mangue é uma ideia ultrapassada herdada de gestões anteriores - e é mesmo -, não faltam anúncios da prefeitura sobre melhorias na mobilidade do Recife com video da Via Mangue, além dela ter sido fortemente utilizada como cabo eleitoral nas últimas eleições municipais também. A tal prioridade para os ônibus nas avenidas Conselheiro Aguiar e na Domingos Ferreira só veio depois de se abrir mais espaço para os automóveis por cima do mangue, o que demonstra que nunca foi prioridade de verdade. Como resultado da Via Mangue, essa disputa por espaço na Av. Antonio de Góes está mais forte e acirrada do que deveria, pois, além dessa quantidade de automóveis que está na foto disputando espaço público com os ônibus, a Via Mangue vem pela lateral, com suas 4 faixas no túnel, e pressiona por mais tempo semafórico para ela. Na matéria de ontem do JC, está claro isso: 54 segundos de semáforo para 5 faixas de automóveis e uma faixa de ônibus na Antonio de Goes, e 55 segundos de semáforo para a Via Mangue, onde não passa nenhuma linha de ônibus. A via expressa foi concebida assim desde o seu projeto básico. Pode parecer um equivoco citar a falta de ônibus por lá, local sem grande fluxo de pessoas, mas pra quem vem de Piedade, Candeias, Barra de Jangada ou mesmo Setúbal, se tivesse uma linha expressa para o Derby ou para o centro, poderia ser algo bastante atrativo. Um detalhe a mais sobre a Via Mangue podemos ver na eterna afirmação de que "se a prefeitura tivesse feito a ligação do túnel com o Cabanga ou Estelita diretamente por uma alça não teríamos esse problema." Infelizmente não é assim. O problema só estaria transferido mais para a frente. SEMPRE que se dá mais espaço para os carros, mais espaço eles ocupam, mais espaço é necessário para a sua circulação. E isso nunca vai mudar porque no carro as pessoas ocupam muito mais espaço para se locomover do que nos ônibus, a pé ou de bicicleta. Ele pode ser o modal mais confortável, mas é o mais ineficiente no uso do espaço público. Não dá pra ir contra a Física, a Matemática, e principalmente a Lógica.

Voltando à realidade atual, sem ônibus na Via Mangue e sem alça do túnel diretamente para o Cabanga, temos que, toda vez que um ônibus fica parado no semáforo da Antonio de Goes, as 50, 80 pessoas dentro dele, estão dando prioridade para todos os carros da Via Mangue. Então eu chego num ponto interessante, que queria incluir nessa discussão sobre as causas do engarrafamento no Pina. As pessoas reclamam do engarrafamento na Antônio Góes não pelos 55 segundos parados para dar prioridade à Via Mangue, mas por uma faixa de ônibus, que só iria fazer caber, com a sua retirada, uma faixa a mais além das cinco já existentes. A Faixa Azul do Pina é o bode expiatório perfeito para um problema que não foi ela que gerou. Novamente a Lógica, perdão a insistência, mas vou separar o parágrafo...

Os motoristas da Av. Antônio de Góes passam metade do seu tempo de circulação parados para dar a vez aos motoristas da Via Mangue. Os motoristas da Via Mangue passam metade do seu tempo parados para dar prioridade a 5 faixas de motorista na Antônio de Góes e uma faixa de ônibus.

Explico:
- para quem está na Via Mangue, tanto faz ter faixa exclusiva de ônibus ou não na Antônio de Góes. A Antônio de Góes como um todo faz quem está na Via Mangue ficar metade do tempo parado.
- para quem está na Antônio de Góes, só podemos dizer que o fluxo melhoraria 20% com a retirada da faixa (aumentaria de 5 para 6 faixas, aumento de 20% no espaço), se tirássemos também TODOS OS ÔNIBUS!!! Mas não, eles continuarão lá. E ainda devemos considerar que com a piora dos ônibus com a retirada da faixa exclusiva, mais gente debandaria para os carros. Não é esse o argumento utilizado por quem está no carro? "O ônibus é ruim." Logo, se o ônibus piora, mais gente vai para o carro, se o ônibus melhora, mais gente vai para o ônibus. Correto?

Ainda sobre a questão dos tempos dos semáforos, podemos afirmar que o fato de o tempo do semáforo para a Antonio de Góes ser o o mesmo tempo para a Via Mangue demonstra mais uma vez que a prioridade para os ônibus na avenida foi feita pela metade. Apesar dos 94 mil passageiros transportados diariamente em uma faixa, se divide o tempor por igual com a Via Mangue. Mas o problema não começa aí, começa lá atrás, na Conselheiro Aguiar. Qualquer pessoa que ande de ônibus na Conselheiro sabe que eles fluem muito bem por toda a avenida, justamente porque a Conselheiro Aguiar tem prioridade semafórica sobre suas transversais. O problema está no fim da Conselheiro Aguiar, quando está chegando na Antonio de Góes e se divide a prioridade do tempo de semáforo com esta avenida. Nesse momento, todos os ônibus estão parando na Conselheiro Aguiar, se acumulando, para dar prioridade aos automóveis que vêm da Avenida Boa Viagem. Se considerarmos a faixa exclusiva da Antonio de Góes como uma continuação da faixa exclusiva da Av. Conselheiro Aguiar, a verdadeira prioridade para os ônibus seria não somente de espaço, mas também dar prioridade semafórica - aumentar o tempo dos semáforos - não somente para a Antonio de Góes sobre a Via Mangue no semáforo do túnel, mas também dar prioridade para a Conselheiro Aguiar sobre a Antonio de Góes. na ligação entra as duas vias. O fluxo do ônibus ia ser ainda maior, e os motoristas certamente iriam se adaptar a essa nova configuração de semáforos, se redistribuindo entre as três opções: Av. Boa Viagem, Conselheiro Aguiar e Via Mangue. O resultado principal seria o aumento da velocidade média de quem está no ônibus e consequentemente da velocidade média de todos que circulam pelo Pina. Essa prioridade semafórica para o caminho inteiro dos ônibus melhoraria inclusive a situação das linhas da faixa da esquerda da Antonio de Góes, que não podem ir para a Faixa Azul pois entrarão à esquerdana Rua Arquiteto Augusto Reinaldo, depois do túnel, para seguirem para o Shopping RioMar. O tempo a ser colocado para cada via? Quem tem que definir é a CTTU, mas levando em consideração a prioridade para o transporte público. É a oportunidade de provar que esse discurso de que Via Mangue é coisa do passado não é só da boca pra fora.

Não entender a Faixa Azul do Pina como um prolongamento
da Faixa Azul da Av. Conselheiro Aguiar é um grande erro.



Mas afinal, porque insistir tanto em prioridade para o ônibus, se ele é tão ruim? Justamente para melhorá-lo. A gente que passa a vida andando de carro - me incluo - tem a percepção de que a principal demanda para melhorar o transporte público é o ar condicionado. Mas será? Colocar ar condicionado no ônibus que está no engarrafamento só vai aproximá-lo da condição de conforto de quem está no carro: parado no engarrafamento no ar condicionado. Já a faixa exclusiva dá para o ônibus uma vantagem que o carro NUNCA MAIS VAI TER: fluidez. Eu sei que é duro. Muita gente vai vir argumentando com a Via Mangue e outros exemplos, mas todas essas melhorias para a fluidez do automóvel se esgotam. Nas cidades grandes, com mais de 1 milhão de habitantes, ou inseridas numa região metropolitana ainda maior, não tem como resolver o problema da fluidez dos automóveis. Já o ônibus, tem como sua fluidez - além do preço - o seu grande trunfo. A fluidez do ônibus é o maior investimento que pode ser feito no transporte público para que ele tenha uma vantagem sobre o automóvel. Ar condicionado, wifi, conforto, etc, nunca serão vantagem sobre o automóvel. Essa análise faço sobre o aspecto individual, de escolha do modal por cada um. Para a cidade, o carro não traz vantagem nenhum. Nem o IPVA é vantagem, pois não cobre os custos de manutenção das vias e, colocando no papel, quem usa o automóvel custa mais para a cidade do que oferece em troca.

73 pessoas em 5 faixas x 240 pessoas em 1 faixa

"Mas não tem nenhum ônibus na foto!!!! Cadê a fluidez?". Exatamente. Tá aí. Faixa exclusiva de ônibus que funciona bem é que nem trilho de metrô. Quando não tá engarrafado, é justamente quando funciona. O número de usuários transportados (94 mil por dia) por hora é que determina a eficiência da faixa. 

Por fim, o que me assusta no Recife é que somos apenas um grupo minimamente organizado de pessoas minimamente sensatas em redes sociais tentando defender mais prioridade para um transporte público que existe para servir uma grande quantidade de pessoas e tem ainda pouquíssimo espaço. Não é invenção do Recife a prioridade pra o transporte público, é política pública nas maiores e melhores cidades do mundo, e quem defende espaço para os outros modais além do automóvel quer o melhor para o Recife. Então... entro na página da Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, e o foco é somente a questão da tarifa. Certamente, a tarifa é questão importante, senão a principal a ser tratada sobre o transporte público, mas a faixa exclusiva, junto com ciclofaixas e calçadas decentes, são o conjunto de medidas que democratiza o espaço público para toda a população. A ascenção social em busca do automóvel, se as pessoas assim pensam e desejam, é um direito de cada um individualmente, mas coletivamente, a garantia de espaço para os outros modais é a única possibilidade de acesso universal ao direito de locomoção. Já fiz essa crítica à FLTP e renovo, pois é preciso ter mais forças defendendo o espaço dos ônibus na cidade. Se deixar, a parcela motorizada da população domina o discurso, pedindo medidas que imediatamente aliviam o trânsito pontualmente, como viadutos, retirada de semáforos e de faixas exclusivas, mas que com o passar dos anos têm se demostrado paliativos para um problema que só faz aumentar: a priorização e dependência do automóvel. Me pergunto também, no meio dessa grande discussão sobre a Faixa Azul do Pina, onde estão os donos das empresas de ônibus? Quais são seus interesses? Eles defendem a faixa exclusiva? Ou no sistema de pagamento às empresas por usuário transportado, há a visão totalmente equivocada de que quanto mais engarrafado mais gente se transporta por ônibus? Eles não têm consultoria técnica?

Claro que não vou entrar na inocência, na ilusão de que os empresários de ônibus vão nos salvar. O lucro deles está garantido e a inércia, a permanência da situação atual, é sempre mais conveniente para quem resolve os seus problemas com os seus privilégios. Mas a sociedade civil, inerte, esperando as coisas acontecerem, vendo uma discussão sobre algo tão básico como uma faixa exclusiva de ônibus ganhar corpo, isso é bastante preocupante. E sem mobilização, sem informações qualificadas e claras, sem audiência pública sobre a falta de prioridade ao transporte público no Recife, a gente tem que lutar como um exército de formiguinhas pra defender uma faixa exclusiva simples dessas. O que esperar então da gestão sobre a Avenida Norte, com 12% dos usuários de ônibus do Recife, mais de 200 mil pessoas diariamente? Será que esse público enorme vai ver chegar lá algum dia o discurso da prioridade do ônibus, da inversão de prioridades? Sem pressão, pode esquecer.