sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A segunda-feira (quase) imóvel de carnaval

A segunda-feira de Carnaval (quase) imóvel.


Passou carnaval. Pra mim foram dois dias em Olinda e dois no Recife, somando-se com a sexta-feira, três dias no Recife. Nesses dias me desloquei para a folia de bicicleta, táxi ou Expresso da Folia e usuário desse arranjo de mobilidade para o carnaval desde o início do Carnaval Multicultural na gestão de João Paulo, posso dizer que já provei do céu ao inferno dessa história de voltar pra casa da folia. Além do que, também trabalho no Recife Antigo desde 2009, metade desse tempo tendo carro, metade me virando pra sair de lá de várias formas: bicicleta, barco+bicicleta, ônibus, táxi, a pé, bikepe, bikepe+ônibus, sempre escolhendo a melhor opção de acordo com o meu destino. Sei alguma coisa do leriado "sair do Recife Antigo". Mas no carnaval a coisa é diferente, no carnaval o bicho pega. Porém, o que tivemos na segunda-feira passada não foi diferente de nenhum dos carnavais desde a criação dos pólos, com os principais deles no Recife Antigo. A gente só não lembra do quanto ruim foi antes porque o carnaval só acontece uma vez por ano, e nossa memória é curta para essas pequenas tragédias casuais. Sempre parece que o desastre de agora foi pior do que o de um ano atrás. Mas não se engane, nada mudou, e é justamente aí que está o erro. O carnaval do Recife foi crescendo ano a ano, principalmente no Recife Antigo, e a gestão da mobilidade no carnaval tem o mesmo medo de mudança que a gestão de mobilidade da cidade o resto do ano. A fórmula permanece sendo estacionamento dentro da ilha, táxi e expresso da folia, ambos entrando no Recife Antigo também. O que rolou na segunda-feira foi espantoso, mas mesmo em dias com shows menores, é sempre difícil voltar pra casa do Recife Antigo, seja pra Zona Sul, Oeste ou Norte da cidade.


Troça Carnavalesca
Voltando Pra Casa P. da Vida
Ora, a gestão atual já pratica desde o seu início o discurso de #cidadedaspessoas e inversão de prioridades, e no carnaval não é diferente. Funcionários e gestores da Secretaria de Mobilidade e CTTU aparecem na TV, em jornais, rádios, internet divulgando as opções fornecidas pela prefeitura pra se chegar nos destinos dos foliões, mas na prática pouco se fez dessa inversão. Logo no carnaval, período onde boa parte das pessoas já internalizou que ir de carro é roubada, quando já há uma propensão a se aceitar mudanças, o que se mudou na cidade para se locomover para o centro da folia foi muito pouco. OK, boa parte do desastre ocorrido na segunda-feira foi resultado da catastrófica ideia da organização do carnaval de colocar Nação Zumbi, Jota Quest e o Rappa para o mesmo dia, em sequência. A Prefeitura anunciou que o esperado para a noite no Recife Antigo era de 150 a 200 mil pessoas, e na verdade tivemos cerca de 300 mil pessoas. Fica lindo nas fotos aéreas e nos vídeos institucionais do carnaval com frevo e voz de locutor orgulhoso pelo maior carnaval do mundo, mas lá embaixo o quadro é bem diferente. Isso exige mais de qualquer esquema de mobilidade montado, mas não é ao acaso, é resultado de decisão de gestão e a responsabilidade deve ser assumida. Relatos de foliões que andaram 3km pra pegar um táxi, ou que voltaram a pé pra casa no Espinheiro, ou em Boa Viagem, não faltam. Depois de uma noite inteira pulando carnaval, vendo show em pé, não é fácil.

Se o erro está em manter tudo igual, o que poderia ser modificado? Antes de mais nada, o que precisa mudar na mentalidade de quem gere o nosso trânsito é que pedestres, bicicleta, ônibus, táxi e carro não são simplesmente opções diferentes. Se tudo se tratasse apenas de opções, deveria ser possível ao evento receber todo mundo de carro, por exemplo. Qualquer um sabe o desastre que isso ia ser. Por isso os meios de locomoção devem ser tratados de forma diferente, por vários motivos, e um deles é a questão do espaço, PRINCIPALMENTE NO CARNAVAL. Ser pedestre de ponta a ponta ou ciclista nessa cidade não é fácil nos outros 361 dias do ano, e no carnaval não seria diferente, mas tem suas vantagens. Não é disponibilizando bicicletário apenas que as pessoas vão pegar a bicicleta e ir para o carnaval, por exemplo.  Numa cidade onde somos excluídos o resto do ano, onde a estrutura não existe, pedalar ou andar durante as festas de Momo é ser marginal a um sistema que não te inclui como opção nunca. É redundante afirmar isso, o marginal é aquele que está fora do sistema, mas isso deve ser dito e repetido com todas as letras no caso da mobilidade, em discussões sobre eficiência da mobilidade, sobre comportamento dos usuários de ônibus, dos ciclistas, dos motoristas. Somos empurrados para a marginalidade constantemente. A vantagem disso é que quando o sistema entra em colapso, como foi na segunda-feira de carnaval no Recife Antigo, se você está fora dele, não sofre com o colapso. É isso que acontece quando a cidade para por causa de alguma obra, por algum protesto, ou porque está tendo algum evento na cidade. Parece que tá tudo parado, mas você olha pela janela do carro ou do ônibus e vê as pessoas andando nas calçadas e ciclistas te ultrapassando no engarrafamento e sumindo no horizonte.

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Na foto, Sabrina Machry chegando de bicicleta no Recife Antigo, na ponte Buarque de Macedo, sorrindo, sambando na cara da Prefeitura que insiste em manter o ciclista marginal ao sistema de mobilidade. E pra quem não estava de bicicleta, andar 2km, 4km, 8km até chegar em casa é o momento singular em que a sua única opção, pra fugir do sistema colapsado, é sair dele, ser marginal a ele. Desiste e vai andando, com o braço esticado pra chamar o táxi que acaba de passar lotado. Então, o que está errado com o sistema de mobilidade do Recife no carnaval?


A Presidente da CTTU, Taciana Ferreira, está certa quando diz que é necessário descentralizar mais. Difícil é pensar em quem na prefeitura vai ter criatividade pra isso ano que vem, caso Geraldo Júlio seja reeleito. No Recife Antigo, tivemos o Pólo Central no Marco Zero, mais o Recbeat, o Pólo do Samba an Rua da Moeda, o palco na Praça do Arsenal, além das inúmeras atrações e blocos pelas ruas, atraindo milhares de pessoas. Enquanto isso, a Rua da Aurora estava lá, esquecida, logo ali, a duas pontes do Marco Zero. O enorme parque Treze de Maio também esteve esquecido no carnaval. Problemas de excesso de barulho com moradores nesses locais poderiam ser resolvidos com horários diferenciados. Ou pelo menos, poderia-se espalhar mais esses mega shows em outros palcos, tirando um pouco do protagonismo do Marco Zero, aliviando a ilha pra outros tipos de foliões e de carnaval, que sempre estiveram nas ruas. É bom lembrar, como já dito por outros colegas sobre essa questão de mega shows, ninguém vem para o carnaval de Pernambuco pra ver show de graça. Eles já fazem parte do nosso carnaval e podem continuar existindo, mas sem essa necessidade de se querer fazer do Marco Zero um LollaPalooza regional gratuito, tendo como preço a se pagar o surgimento de uma multidão, previamente escravizada por um sistema de mobilidade ineficiente, ilhada, sem ter como voltar pra casa. Os melhores - não os maiores - shows que já vi em outros carnavais do Recife foram em palcos de bairro e isso pode ser trabalhado com ótimos artistas mais ligados à nossa cultura. Pra piorar a situação, um evento privado chamado Parador, num terreno que tinha sido prometido pela prefeitura pra ter uma praça em cima, foi aprovado também no Recife Antigo, e o resultado disso foi uma confusão de carro e táxi chegando pela parte sul do Antigo - ponte giratória - a caminho  do estacionamento do Paço Alfândega, além de centenas de táxis formando uma fila enorme.



Sobre o tal sistema de mobilidade para o carnaval, a tal #cidadedaspessoas pode começar a ser descrita pelos estacionamentos do Paço, Prefeitura e TRF - emprestado para a Prefeitura, um equívoco recorrente - disponibilizados para quem quiser ir de carro para uma ilha com centenas de milhares de pessoas. De acordo com o próprio site da prefeitura ( http://www.carnavalrecife.com/servicos/estacionamento-e-translados/ ), em 2015 foram registrados 19278 veículos usando o espaço (incluindo carros e motos), de sexta a terça-feira, uma média de 3856 veículos por dia, o que é muito pouco em quantidade de gente transportada, umas 12 mil pessoas sendo bem generoso. Comparado ao transtorno que isso causa, o espaço que ocupa na Avenida Cais do Apolo, enquanto os táxis estão amontoados na Ponte Buarque de Macedo ao redor da sorridente Sabrina, não me parece um bom negócio. Estamos falando de uma ilha com 4 palcos públicos, 1 privado, vários blocos e troças, 300 mil pessoas, e você ainda coloca pra circular ônibus, táxi e automóvel dentro. Não me parece nada sensato. Se pelo menos a prefeitura cogitasse separar todas essas vagas para idosos e deficientes devidamente identificados, se justificaria mais tão desastrosa opção.

O EXPRESSO DA FOLIA funciona bem, mas não dá conta sozinho de despachar as pessoas para os seus destinos, além de focar somente no público que tem carro ou que mora perto dos shoppings. Os ônibus saem em intervalos curtos e seguem sem grandes problemas para os shoppings, mas ainda assim têm dificuldades para sair do Antigo. Os ônibus com destino aos shoppings da Zona Sul se atrasaram no meio do mar de táxis e carros, tanto para entrar quanto para sair da ilha.

Sobre os TÁXIS, está claro que não são eles que vão resolver o problema da mobilidade no nosso dia a dia, muito menos no carnaval. Não foi por falta de táxi que as pessoas não conseguiram chegar em casa. O táxi funciona como mais uma opção, complementar, um pouco melhor do que o automóvel apenas, e é assim que deve ser encarado. Tratar o táxi como uma opção equivalente ao ônibus deu no que deu: juntamente com os automóveis a caminho dos estacionamentos na ilha, engarrafaram todo o entorno, quando não estavam pegando os desesperados lá na Conde da Boa Vista ou Visconde de Suassuna e não chegavam no Antigo nunca mais. Mas não é por ser complementar que deve ser zoneado como sempre foi. Não dava pra colocar pontos temporários de táxi para o carnaval, onde as pessoas fariam fila pra pegar os táxis? A Prefeitura não tem capacidade de orquestrar um acordo desses com o sindicato de taxistas? Um ponto desses na Praça da República - uma ponte de distância do centro da folia, evitando a confusão na Ponte Buarque de Macedo - para os que voltam para as Zonas Norte e Oeste e outro ponto desses no Cais de Santa Rita, pro taxista deixar alguém na Ponte Giratória, dar a volta e pegar outro passageiro, com um guarda da CTTU organizando. Inaceitável qualquer derrotismo do tipo “não funciona no Recife/Brasil”. No aeroporto funciona em menor escala. Qualquer solução é melhor do que como está! Vou repetir o óbvio: o táxi seria COMPLEMENTAR. Táxi (Uber, ou mesmo automóvel particular) não funciona sem um ótimo sistema de ônibus, com FAIXA EXCLUSIVA. Só falamos tanto de táxi no carnaval porque todas as outras opções não funcionam. Quem quiser que tente se locomover de carro ou de táxi em dia de greve de ônibus, pra comprovar que táxi não funciona só. Boa sorte!

Os ÔNIBUS COMUNS continuam completamente esquecidos no carnaval. Enquanto o Expresso da Folia recebeu destaque da mídia, outros ônibus como o Alto Santa Isabel não não podiam entrar no Recife Antigo, e tem que ser assim mesmo. Mas não tinha nas ruas NADA de informação sobre onde pegá-lo! Por morar perto do Shopping Plaza, voltei de Expresso da Folia e andei até minha casa, mas toda a Zona Oeste, Santo Amaro, Espinheiro, Graças, Aflitos, Apipucos, Torre, Madalena, etc, todos não têm shopping por perto. Paradas de ônibus bem sinalizadas além das pontes, com faixas exclusivas, orientadores de trânsito ensinando as pessoas qual ônibus pegar, ou bons mapas, pelo menos no carnaval, ajudaria bastante.

O BRT, nosso tão divulgado metrô sobre rodas, que tem uma estação NA RUA DA PREFEITURA e outra da Avenida Martins de Barros, teve percursos reduzidos ou mesmo cancelados durante o carnaval. Nosso ônibus com maior capacidade, o garoto propaganda do legado da Copa, foi praticamente um figurante nesse carnaval, graças à ausência de faixas exclusivas e ao grande volume de táxis e veículos comuns rodando livremente por todo o centro, inclusive entrando no Recife Antigo. Não podia ser diferente do resto do ano, o BRT permaneceu no engarrafamento.

Não percebem que está tudo errado desde sempre? Não só na segunda-feira de carnaval, mas hoje também, e na próxima segunda-feira estaremos todos (eu não, sou marginal ao sistema) abraçados no engarrafamento. Vamos parar de ficar analisando o terror da segunda-feira passada como algo esporádico, fica parecendo que no resto do ano, tudo funciona. Eu ultrapasso de bicicleta carros parados no engarrafamento já dentro do Recife Antigo às 18h qualquer dia do ano. Por que no carnaval, com centenas de milhares de pessoas numa única ilha, a gente fica esperando que as coisas funcionem? A gestão é a mesma, os paradigmas a serem rompidos são os mesmos, e eles continuam não sendo rompidos! Tudo continuará como sempre foi. Você vai ver semana que vem.

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