terça-feira, 2 de setembro de 2014

Haddad aumenta em 67% o valor do estacionamento em São Paulo. E DAÍ?

"Ter carro já é quase um crime". Essa foi o título da coluna Opinião de 29 de julho no Estadão, em resposta às medidas que o prefeito da capital paulista tem tomado para estimular o uso de outros modais e desestimular o uso do carro. O erro do jornal está justamente em tratar o uso e a posse de um carro como um problema só.

Ter um carro no Brasil tem se tornado algo cada vez mais acessível. Redução de IPI e linhas de créditos específicas para compra de veículos facilitam e estimulam a compra de um automóvel. O governo federal tem estimulado a compra de automóveis pensando unicamente na manutenção dos empregos da indústria automobilística e na evolução do PIB, sem levar em conta todas as consequências  na segurança, saúde pública, mobilidade urbana, custo da moradia - sim, pois se torna necessário muitas vezes se construir 4 pavimentos de garagem para um edifício de 20 andares, destinando espaço de habitação para estoque de veículos -, e ambientais. É uma opção política equivocada em todos os sentidos, e é bom deixar claro, em tempo de eleições, que não acreditamos que seria diferente com outros candidatos da oposição, pois o modelo de desenvolvimento carrocentrista está incrustado nas estruturas de poder do país.

Fato é que os municípios - e os Estados! - não têm que cometer o mesmo erro do governo federal. A prova disso se chama Fernando Haddad, que mesmo sendo do mesmo partido de Dilma, escolhe mudar o rumo da política de mobilidade na cidade de São Paulo. O que o limitado colunista do Estadão não consegue enxergar, ou finge que não vê, é que o preço do estacionamento não é uma medida isolada. As faixas exclusivas de ônibus, as ciclofaixas que estão sendo construídas, com meta de 400km até final de 2015, o aumento do preço do estacionamento, o decreto municipal que autoriza a instalação de parklets no lugar de vagas de automóveis, e como ponto central de tudo isso o novo Plano Diretor de São Paulo, o que tudo isso tem em comum? Estão todos no mesmo bolo chamado POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA.

Estacionamento entra no cálculo do IPCA?
A má fé em se analisar o aumento do valor para se estacionar em áreas públicas começa em se avaliar isso como uma questão meramente inflacionária, como se estacionamento fosse um produto na prateleira: o preço da beringela que aumentou por causa de uma praga que atacou a plantação. Entretanto, o estacionamento tem muito mais valor como medida extrafiscal, de regulação do uso do espaço público, do que arrecadatório. O que a prefeitura  paulista pretende é desestimular o USO do carro. Ter o carro já foi garantido pelo governo federal, mas usar o carro de forma excessiva é atitude predatória contra a cidade e contra todos os outros modais que demandam o seu espaço. Quem está acostumado a ter tudo, ter a cidade inteira pra si - o motorista -, não quer perder nada. Se se reduz a velocidade máxima no perímetro urbano e são permitidos parklets para maior uso da rua pelo pedestre, vem logo em seguida a reclamação do espaço perdido para estacionar; o mesmo quando são feitas ciclofaixas ou faixas exclusivas de ônibus. Reclama-se da perda de espaço para se locomover com o carro. Não é fácil, mas muitos motoristas vão enxergar que não nasceram motoristas, que esses espaços são pra eles também. Sim, as pessoas vão mudar. O objetivo de uma prefeitura não é atender a demanda de parcelas da população, é fazer uma melhor cidade acessível para todos, transformando o comportamento das pessoas para o que for melhor para a cidade, e consequentemente pra elas também. Um dos meios de fazer isso, além de se mexer no formato, na estrutura da cidade, é através do bolso. O modo como se locomover numa cidade é sempre uma decisão baseada na comparação de fatores inerentes a cada modal: segurança, conforto, tempo de deslocamento, status, prazer/diversão, e dentre outros fatores, PREÇO.

Como ótimo exemplo de como o preço influencia o comportamento das pessoas, veja esse TedX de Jonas Eliasson(legendas disponíveis), no qual ele comenta que uma taxa de congestionamento de 1 a 2 euros cobrada pelos motoristas em horário de pico fez reduzir o número de carros nas ruas em 20%. Se pararmos para refletir sobre o que mudou, a primeira resposta seria dizer "20% dos motoristas mudaram o horário de ir ao trabalho". Certamente a grande maioria fez isso, o que não deixa de ser ótimo para a cidade e sua produtividade. Em vez de termos pessoas paradas em engarrafamentos, estas passaram mais tempo fazendo outras coisas de lazer, estudo ou trabalho, e mudaram suas rotinas. Mas uma pequena parte desses motoristas resolveu usar o transporte público ou a bicicleta pra não pagar a taxa. Esse é o efeito gerado unicamente pelo fator preço. Em São Paulo não será diferente.

Ter e usar um carro diariamente, somando todos os custos, vai de R$1200 por mês pra cima, a depender do veículo. Esse custo, porém, é diferente do que o motorista sente no dia a dia. Para muitos, o custo se resume à gasolina e estacionamento. Seguro, IPVA, multas, manutenção, desvalorização do veículo e tantas outras questões não entram nessa sensação de gasto diário.

Pausa! Vamos falar de custo? Deixar o carro em estacionamento privados em São Paulo ou em qualquer cidade do Brasil é ainda muito mais caro que o preço do talão da Zona Azul, vai de 12 reais pra mais o preço da hora em São Paulo, passando fácil dos 20 reais perto da Avenida Paulista. No Recife, a Zona Azul custa 1 real por 2 horas, ou até mesmo 5, 6 horas.

Essa comparação entre cidades diferentes perde o sentido, se não a fizermos comparando com os outros modais na mesma cidade. O estímulo ou desestímulo ao uso de um modal passa pelo custo comparativo de uso com outros modais na mesma cidade, pois a decisão de mudar o modo de se locomover é bem mais possível que a decisão de se mudar de cidade por causa do preço do transporte. Enquanto no Recife a passagem de ônibus custa R$2,15 e o Zona Azul custa 1 real faz mais de 10 anos, em São Paulo a passagem de ônibus custa 3 reais e o custo do estacionamento no espaço público custa agora, após aumento, 5 reais. Qual das duas cidades afinal parece estar tentando mudar o comportamento dos seus cidadãos? Além disso, em todas as cidades, andar e pedalar é de graça. No caso de pedalar, há ainda a possibilidade de se ganhar por isso. Pipocam notícias de países da Europa que buscam modos de remunerar quem usa a bicicleta para se locomover. A notícia mais recente veio da França, pagando 25 centavos de euro por quilômetro pedalado. Isso não tem nada de assistencialismo, trata-se de cálculo inteligente de contas públicas, de forma interministerial. No texto do Vá de Bike temos alguns dos motivos que justificam esta medida: melhor saúde dos franceses, menos poluição, estímulo ao uso da bicicleta para melhorar a mobilidade urbana das cidades. Certamente que pra estarem pagando os 25 centavos, o ganho para o governo deve ser de 50 centavos ou mais por quilômetro pedalado. O governo francês sabe que o uso excessivo do carro sai muito caro aos cofres públicos, e pretende desestimular o uso do carro. É parecido com o que o Brasil faz com o cigarro, que tem em seu preço 80,42% de tributos. Quem sabe um dia fará o mesmo com o carro, o cigarro do século XXI?
Parklet x estacionamento
Com qual a cidade ganha mais?
Qual o mais democrático?
Se o assunto é assistencialismo, podemos falar do subsídio à gasolina, com preço defasado em 17%, sem trazer ganho nenhum para o país ou para as cidades, tirando dos cofres públicos 20 bilhões de reais em 2013. Somando-se aos 12,3 bilhões da redução de IPI no mesmo ano, temos 32,3 bilhões de reais em benefícios exclusivos para uma base de consumidores, da classe C pra cima, lembrando que a grnade maiora dos brasileiros não tem carro. Esses 32 bi ultrapassaram os gastos com o Bolsa Família em mais de 10 bilhões no mesmo ano! Críticas à parte ao programa "carro chefe" do governo federal, seria patético comparar os benefícios sociais do Bolsa Família com o "bolsa carro", deixamos para os comentários. #naoleiaoscomentarios . Ainda sobre a gasolina, a tal relação com a inflação tem mais de fábula que de verdade. O transporte coletivo é feito por ônibus, cujo combustível é o diesel. O componente com maior participação na composição do IPCA é Alimentos e Bebidas, que são transportados majoritariamente por transporte de carga rodoviário, ou seja, diesel! O governo federal poderia muito bem fazer sua macro política de mobilidade urbana aumentando o preço da gasolina e reduzindo o do diesel, sem nem mesmo mexer na redução de IPI. O preço da gasolina tem relação direta com o USO e o IPI se relaciona com a POSSE do carro. Se tem muita gente que tem carro e não usa todo dia? É só verificar como fica o trânsito quando tem greve de ônibus na sua cidade. Pode ter certeza, com aumento de gasolina e de estacionamento, teríamos mais pessoas que têm carro mas não o usam diariamente.

E os 67% que Haddad aumentou no estacionamento? Não é feijão, nem sabão, nem leite, água ou luz. Não faz parte da cesta básica! É o município fazendo sua política de mobilidade, de forma independente do Governo Federal e do Estado, como o é permitido pela Constituição Federal. É o prefeito de São Paulo dando o seu recado: o espaço não pode ser chamado de público se é destinado ao estacionamento de um objeto de 7m², espaço este que poderia ser utilizado pelas pessoas. Trata-se de desestímulo do uso do carro aliado ao estímulo ao uso de outros modais. Estão tentando tirar a maior cidade do país da UTI. Não é fácil, mas o caminho passa com certeza pelo bolso também.