"Um dia histórico para o Recife". Assim o governador Eduardo Campos anunciou hoje, em entrevista, dando o merecido destaque para o primeiro dia de funcionamento das ciclofaixas móveis de lazer em Recife. Um domingo atípico, numa cidade em que o uso do espaço público se restringe a esparsas praças e à praia. Olho da janela do meu apartamento antes de ir conhecer as ciclofaixas e vejo famílias inteiras pedalando, de skate, de patins, patinete; as pessoas aproveitando um espaço novo para curtir a cidade.
É importante que todos tenham percebido a grande diferença nas ruas neste domingo histórico de março. Não ganhamos um parque novo, nem um lazer novo. Ganhamos de volta, por algumas horas, a nossa cidade. E retribuímos! Demos a ela a possibilidade de sair da UTI, e mostramos como é fácil fazer isso. Basta encher as ruas de gente! Uma cidade cheia de pessoas é mais segura no trânsito - menos carros circulando -, e também fora dele. Gente na rua é mais segurança para todos! A cidade estava mais viva, com as pessoas aproveitando a estrutura para irem com tranquilidade até o seu destino, para usar os serviços e o comércio em locais próximos à ciclofaixa. Vi o Café Delta do Recife Antigo aberto meio-dia em pleno domingo, um horário que o Recife Antigo não tem tradicionalmente ninguém! Uma família saía da cafeteria, outras pessoas estavam dentro ainda, confirmando que o mesmo estava aberto. Uma lição para todos os estabelecimentos no caminho da ciclofaixa: aproveitem esta demanda reprimida de gente querendo viver a cidade! Estamos brincando de Amsterdã! E descobrimos como isso é bom! Me lembrei do dono da Picanha do Futuro, que ano passado me disse enquanto eu e amigos discutíamos a possibilidade de ciclofaixa na rua do Futuro: "aqui mal tem espaço pra carros. Você quer fechar meu estabelecimento!". Ainda o verei sorrindo com as bicicletas paradas em frente ao seu estabelecimento e o bar cheio.
O ciclista deveria ter prioridade |
Para a prefeitura, este foi um grande passo para a humanização da cidade, para a transformação de Recife em uma cidade de verdade, um espaço de convivência, mas a gestão do trânsito da cidade teve algumas feridas expostas. Para legitimar o discurso de que este é um primeiro passo para uma mudança de cultura de mobilidade na cidade, deve-se aproveitar a oportunidade para se educar os motoristas. Em vários momentos os agentes da CTTU paravam os ciclistas para que os carros na mesma via, no mesmo sentido, pudessem converter à esquerda, cortando a ciclofaixa, indo de encontro ao artigo 214 do CTB "Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado", infração gravíssima. Importante também foi ver a prefeitura reconhecer o perigo das velocidades. Em alguns trechos havia carros da CTTU e placas avisando que a velocidade máxima no dia de ciclofaixa não era mais 60km/h, mas 40km/h. Cabe ao prefeito demonstrar sua preocupação com o alto índice de mortes no trânsito em Recife - já passamos São Paulo faz alguns anos -, e repensar a redução e controle de velocidade na cidade para todos os dias, caso contrário faz parecer que a preocupação maior seria a segurança das pessoas apenas no domingo, para o sucesso do evento. Olhe para a foto abaixo, retire os cones e a placa de 40km/h. Você vê uma rua segura para ciclistas?
Prefeitura reconhece a necessidade de se reduzir a velocidade para a segurança |
Para o ciclista do dia-a-dia, este domingo foi especial, mas foi também um pouco assustador. Ao usar uma estrutura tão essencial para a nossa segurança, sentimos a diferença entre o estado de alerta permanente em que pedalamos e a felicidade de fazer o seu caminho de forma tranquila, encontrando as pessoas no meio do caminho, olhando para a cidade. Mas nesta segunda, certamente enfrentarei o trânsito com um pouco mais de medo, depois de ser lembrado como é transitar de forma segura. Ainda no Recife do passado, mas também neste domingo, outro ciclista morreu atropelado no coração da cidade, em plena Avenida Agamenon Magalhães. Um senhor de 72 anos, que ia de Santo Amaro para comprar mercadorias em outro ponto da cidade, e não tinha uma ciclofaixa no seu caminho. A contagem fria de mortos não pára de crescer, batendo na cara do ciclista "acorda! Aqui não é Amsterdã!". Sobre ser um dia histórico para o Recife, só poderemos afirmar quando a mudança de verdade chegar, confirmando que 24 de março de 2013 foi o primeiro passo de uma grande mudança, e não apenas um belo dia a ser lembrado. Pra mim, está tudo muito claro na memória ainda. Acordei nesta segunda-feira com as buzinas impacientes de sempre, e com saudade dos cones e do Recife de ontem.
Cezar Martins
Cezar Martins